A ZONA DE CONVERGÊNCIA DO ATLÂNTICO SUL

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A ZONA DE CONVERGÊNCIA DO ATLÂNTICO SUL


Ana Maria Gusmão de Carvalho Rocha

Adilson Wagner Gandu

Departamento de Ciências Atmosféricas (DCA)

Instituto Astronômico e Geofísico (IAG)

Universidade de São Paulo (USP)


Nos últimos dez anos o Climanálise tem prestado uma grande contribuição à comunidade meteorológica não só através do monitoramento de sistemas já conhecidos, tais como os sistemas frontais, mas também através da sugestão e experimentação de metodologias de análise de sistemas ainda em estudo. Neste contexto se insere o monitoramento da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), iniciado em novembro de 1987 (Climanálise, V.2, No 11).

O monitoramento da ZCAS foi iniciado por ser esse um dos mais importantes fenômenos na escala intra-sazonal, que ocorre durante o verão na América do Sul, com episódios de estiagem prolongada e enchentes que atingem diversas regiões do país, tais como o sul (Casarim e Kousky, 1986; Quadro, 1994) e o sudeste (Calheiros e Silva Dias, 1988; Silva Dias,1988; Climanálise, V.6, No 5).

Climatologicamente a ZCAS pode ser identificada, na composição de imagens de satélite, como uma banda de nebulosidade de orientação NW/SE, estendendo-se desde o sul da região Amazônica até a região central do Atlântico Sul (Kousky, 1988), ou ainda em padrões de distribuição de radiação de onda longa (Carvalho et al., 1989). O estudo observacional feito por Kodama (1992) mostrou diversas características comuns entre a ZCAS, a Zona de Convergência do Pacífico Sul (ZCPS) e a Zona Frontal de Baiu, chamadas, de uma forma geral, de Zonas de Convergência Subtropical (ZCST). Essas características comuns seriam : (i) estendem-se para leste, nos subtrópicos, a partir de regiões tropicais específicas de intensa atividade convectiva; (ii) formam-se ao longo de jatos sub-tropicais em altos níveis e a leste de cavados semi-estacionários; (iii) são zonas de convergência em uma camada inferior úmida, espessa e baroclínica; (iv) estão localizadas na fronteira de massas de ar tropical úmida, em regiões de forte gradiente de umidade em baixos níveis, com geração de instabilidade convectiva por processo de advecção diferencial. Especificamente em relação à ZCAS, esses resultados foram também confirmados por Quadro (1994).

Os mecanismos que originam e mantém a ZCAS não estão ainda totalmente definidos, porém, estudos observacionais e numéricos indicam que esse sistema sofre influências tanto de fatores remotos quanto locais. Aparentemente as influências remotas, tal como a convecção na ZCPS, modulam o início, duração e localização da ZCAS, enquanto os fatores locais são determinantes para a ocorrência desse fenômeno, ou seja, sem eles o sistema provavelmente não existiria.

Quanto aos fatores remotos, Casarim e Kousky (1986) mostraram que a convecção na região centro-oeste do Pacífico, especificamente na ZCPS, implicava numa posterior intensificação da ZCAS, sugerindo um mecanismo de propagação do tipo oscilação de 30-60 dias. A simulação de uma onda estacionária associada ao padrão definido pela ZCPS/ZCAS, com um modelo de circulação geral da atmosfera (Kalnay et al., 1986), mostrou que a existência dessa onda estava vinculada à conveção na região tropical e nas próprias Zonas de Convergência.

Diversos podem ser os fatores locais, porém, o único consenso parece ser quanto ao papel da convecção na região Amazônica. Em um estudo observacional das Zonas de Convergência Sub-Tropicais, Kodama (1993) mostrou que essa zonas aparecem somente quando duas condições de grande escala são satisfeitas: (i) o escoamento de ar quente e úmido, em baixos níveis, em direção às altas latitudes ; e (ii) um jato sub-tropical (JST) em altos níveis fluindo em latitudes subtropicais. O escoamento em baixos níveis intensifica a convergência de umidade enquanto, combinado com o JST, intensifica a frontogênese no campo da temperatura potencial equivalente, influindo na geração da instabilidade convectiva. O estabelecimento desse padrão de circulação está claramente associado à atividade convectiva na Amazônia e Brasil Central, que intensifica o JST em altos níveis, em um processo de conversão de energia cinética divergente em energia cinética rotacional (Hurrel e Vincent, 1991). Em baixos níveis a convecção também contribue na intensificação da Baixa na região do Chaco, que fortalece a convergência de ar úmido sobre a região.

Quanto ao efeito local dos Andes sobre a ZCAS, Figueroa et al. (1994) mostraram, por experimentos numéricos, que o posicionamento adequado desse sistema depende da inclusão da topografia nas simulações. Entretanto, um aspecto interessante (Figueroa et al., 1994; Gandu e Geisler, 1991; Kalnay et al., 1986) é que, simulações sem a inclusão da topografia, conseguem reproduzir um padrão de divergência (convergência) alongada em altos (baixos) níveis, com orientação semelhante à da ZCAS. Assim, embora os Andes não tenham um papel preponderante na gênese da ZCAS, aparentemente intensificam o escoamento em baixos níveis, auxiliando assim a alimentação da convergência com o ar úmido da região Amazônica.

Existem ainda outros mecanismos que estão sendo sugeridos para explicar a ocorrência da ZCAS, como por exemplo, a interação oceano-atmosfera na zona de confluência entre a Corrente das Malvinas e a Corrente do Brasil (Nobre, 1988), e as interações não lineares entre as diversas escalas de fenômenos atmosféricos. No entanto, estes mecanismos ainda não foram confirmados em estudos. O papel do Climanálise no monitoramento contínuo da Zona de Convergência do Atlântico Sul é extremamente importante para a confirmação dos resultados já obtidos e para o aperfeiçoamento de novas idéias e hipótese sobre a gênese desse sistema.

Referências Bibliográficas :

Calheiros, R. V. e P. L. Silva Dias, 1988: Como prever melhor. Climanálise, 3(2), 31-32.

Casarin, D. P., e V. E. Kousky, 1986: Anomalias de precipitação no sul do Brasil e variações da circulação atmosférica. Rev. Bras. Meteo., 1, 83-90.

Carvalho, A. M. G., Silva Dias, P.L., Nobre, C.A, 1989: Upper tropospheric vorticity and OLR structure over tropical South America - Third International Conference in Southern Hemisphere. Buenos Aires.

Figueroa, S. N., P. Satyamurty e P. L. Silva Dias, 1994: Simulations of the summer circulation over the South American region with an ETA coordinate model. J. Atmos. Sci., 52, 1573-1584.

Gandu, A. W. e J. E. Geisler, 1991: A primitive equations model study of the effect of topography on the summer circulation over tropical South America. J. Atmos. Sci., 48, 1822-1836.

Hurrel, J. W., Vincent, D. G., 1991: On the maintenance of short-term subtropical westerly maxima in the Southern Hemisphere during SOP-1, FGGE. J. Climate, 4, 1009-1022.

Kalnay, E., K. C. Mo e J. Paegle, 1986: Large-amplitude, short-scale stationary Rossby waves in the Southern Hemisphere: Observations and mechanistic experiments to determine their origin. J. Atmos. Sci., 43, 252-275.

Kodama, Y-M., 1992: Large-scale common features of sub-tropical precipitation zones (the Baiu Frontal Zone, the SPCZ, and the SACZ). Part I: characteristics of subtropical frontal zones. J. Meteor. Soc. Japan, 70, 813-835.

Kodama, Y-M., 1993: Large-scale common features of sub-tropical precipitation zones (the Baiu Frontal Zone, the SPCZ, and the SACZ). Part II: Conditions of the circulations for generating the STCZs. J. Meteor. Soc. Japan, 71, 581-610.

Kousky, V. E., 1988: Pentad outgoing longwave radiation climatology for the South American sector. Rev. Bras. Meteo., 3, 217-231.

Nobre, C. A., 1988: Ainda sobre a Zona de Convergência do Atlântico Sul: A importância do Oceano Atlântico. Climanálise, 3(4), 30-33.

Quadro, M. F. L., 1994: Estudo de episódios de zonas de convergência do Atlântico Sul (ZCAS) sobre a América do Sul. Dissertação de Mestrado, INPE, São José dos Campos (SP), 97 pp.

Silva Dias, P. L., 1988: As anomalias globais observadas em fevereiro e a previsão de médio a longo prazo. Climanálise, 3(2), 32-33.