Departamento de Ciências Atmosféricas (DCA)
Instituto Astronômico e Geofísico (IAG)
Universidade de São Paulo (USP)
Para entender a variabilidade na posição e intensidade da AB é necessário entender a interação que ela tem com outros sistemas sinóticos que agem na AS, durante o verão. O padrão de circulação de verão indica que, corrente abaixo da AB, forma-se uma circulação ciclônica em altitude ( Fig. 1a ), que também varia de posição e intensidade ao longo do verão, e cujo efeito mais marcante é a subsidência induzida em baixos níveis sobre a região Nordeste, NE.
A interação entre a AB e o Cavado em altitude sobre o NE é mostrada nas séries das médias espaciais da vorticidade relativa, calculadas ao longo de dez anos, na região do Cavado e da AB ( Fig1b ). Estas séries mostram claramente que em termos de intensidade a correlação entre essas circulações é estatisticamente significativa (Carvalho, 1989).
Além do Cavado corrente abaixo, as variações na AB parecem estar vinculadas também às penetrações de sistemas frontais sobre o continente. Oliveira (1986) registrou nove casos de ocorrência da AB nos quais a passagem de uma frente sob a parte central do continente levavam a Alta a deslocar-se para oeste. A advecção de vorticidade negativa associada à penetração do cavado frontal sobre o continente provavelmente diminui a vorticidade na região leste da Alta, provocando o seu deslocamento para oeste. Esse mecanismo depende da profundidade do cavado frontal e da inclinação do seu eixo em relação à Alta. Além disso, a posição do eixo do jato associado à frente também afetará o posicionamento da Alta. Climatologicamente a vorticidade anticiclônica associada ao cisalhamento do escoamento na região do jato subtropical intensifica a circulação na região da Alta (Carvalho, 1989). Entretanto, mesmo sem o efeito do jato, a circulação persiste, sugerindo que a liberação de calor sob o continente é o mecanismo fundamental de manutenção da Alta.
Gutman e Schwerdtfeger (1965), utilizando a análise do perfil vertical da estação meteorológica de Antofagasta (23oS/70oW), mostraram que no verão do Hemisfério Sul a camada troposférica entre 200 e 500 hPa aumentava de espessura, sugerindo que a fonte de aquecimento para gerar este aumento na espessura estava vinculada à liberação de calor associada a dois processos: calor latente devido à convecção e também calor sensível liberado pelo Altiplano Boliviano.
Em 1980, Gill utilizou as equações da água rasa num modelo hidrodinâmico simples e mostrou que, impondo uma forçante térmica que representasse o efeito conjunto da convecção tropical, era possível gerar um anticiclone em altitude. A posição desse anticiclone era sensível à distância em que a fonte era colocada em relação ao equador. Este resultado motivou uma série de experimentos numéricos que visavam ao entendimento do efeito das fontes de calor nas regiões tropicais sobre a circulação nos trópicos e adjacências.
Os resultados mais recentes deste tipo de experimento foram obtidos por Gandu e Geisler (1991), que fizeram experimentos no cinturão tropical utilizando três fontes de calor para representar o efeito da convecção na Amazônia, Indonésia e África. Todos os experimentos reproduzem a Alta, mas o cavado corrente abaixo da Alta não fica bem definido em termos de posicionamento quando o modelo é forçado apenas com a fonte na Amazônia. Este fato é mais nítido quando a fonte é colocada na Indonésia, sendo fundamental, neste caso, o papel da advecção. Esses resultados sugerem que a distribuição da convecção ao longo do cinturão tropical pode ser importante na determinação da posição de ambos, AB e Cavado.
O papel da não linearidade na variabilidade climatológica da região do Cavado já havia sido sugerido anteriormente por Carvalho et al. (1988). Os modelos hidrodinâmicos entretanto são muito simples para representarem a totalidade de processos envolvidos na dinâmica de formação e flutuação da circulação da AB e Cavado, sendo que os processos físicos podem ter um papel relevante nos processos que regulam esses sistemas a induzir processos não lineares mais complexos. No contexto dos processos físicos ressalta-se o efeito do "deck" de cirrus associado à região de difluência localizada corrente abaixo da AB. Esse "deck" resfria localmente o topo da coluna abaixo do cirrus, e num mecanismo similar ao do efeito estufa, aquece a coluna como um todo. Este processo pode intensificar a instabilização da coluna, estimulando a convecção e pode ter participação no desenvolvimento das linhas de instabilidade que se formam abaixo do deck de cirrus. A interação entre a AB e o Cavado pode então alterar o perfil da coluna atmosférica através de um mecanismo físico, e este processo é não linear. Associadas a estas linhas de instabilidade já ocorreram alguns episódios de chuvas intensas sobre o extremo oeste do interior da região NE, mesmo quando a maioria da região se encontrava sob o domínio da subsidência do Cavado em altitude. Há outros mecanismos que podem ter um papel mais relevante à formação destas linhas, possívelmente a topografia associada a penetração de uma circulação favorável. Entretanto, o objetivo aqui é apenas mostrar através de um mecanismo simples o papel da não linearidade.
Mecanismos semelhantes podem ocorrer na interação entre a Alta e as penetrações frontais. A Alta pode intensificar a convecção na região frontal e a divergência em altitude pode ajudar nesse processo. No entanto, isso depende muito das características dos dois sistemas no instante da penetração da frente sobre o continente. É possível que a divergência em altitude, associada à região da Alta, entre em fase com a convergência úmida em baixos níveis, associada à região frontal, e estabeleça-se assim um mecanismo de "feedback", que estimule a convecção na banda frontal, e esta por sua vez aumente a divergência em altitude. Entretanto, o posicionamento adequado da divergência associada à AB depende de uma série de fatores de grande escala, dentre eles a posição do jato subtropical e a distribuição da convecção ao longo do cinturão tropical.
O cenário discutido acima sugere um tripé de interação, Alta da Bolívia, Cavado e frentes, governado por interações lineares e não lineares que estabelecem o posicionamento e intensidade dos sistemas e de bandas de nebulosidade associadas. A relevância do papel dos processos físicos neste mecanismo, é no entanto uma questão em aberto.
Referências Bibliográficas
Carvalho, A. M. G. , Silva Dias, P. L. e Nobre., C. A., 1988: Upper Tropospheric vorticy and the OLR structure over tropical South America. Third International Conference in the Southern Hemisphere. Buenos Aires, Nov, 1988, Argentina.
Carvalho, A. M. G., 1989: Conexões entre a circulação em altitude e a convecção sobre a América do Sul. Dissertação de Mestrado/INPE, São José dos Campos, Fev., 1989.
Gandu, A. W. e Geisler, J., 1991: A Primitive Equations Model Study of the effect of Topography on the Summer circulation over tropical South America. J Atm. Sc. , 48(16):
Gill, A.F. 1980 : Some Simple solution for induced tropical circulation. Quartely Journal of Royal Meteorological Society, 106 (499) : 447-462, Sept. 1980
Gutman, G. J., Schwerdtfeger, W., 1965: The role of latent and sensible heat for the development of a high pressure system over the subtropical Andes, in Summer, Jg. Heft , 18(3), Mai., 1965.
Oliveira, A. S., 1986: Interações entre sistemas frontais na América do Sul e a convecção da Amazônia. Dissertação de mestrado, São José dos Campos, INPE, 1986. (INPE-4008-TDL/239)