Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC-INPE)
O modelo de circulação geral atmosférico (MCGA) em uso no CPTEC tem sua origem naquele usado para previsão de tempo de médio prazo pelo National Centers for Environmental Prediction (NCEP, então NMC) em 1985. Esse modelo, chamado MRF (Medium Range Forecasting Model) pelo NCEP, era uma combinação do código espectral global desenvolvido pelo NCEP e as parametrizações físicas de escala subgrade desenvolvidadas no Geophysical Fluid Dynamics Laboratory (GFDL) do NOAA na Universidade de Princeton, EUA. Esse modelo foi transferido ao Center for Ocean, Land and Atmosphere Studies (COLA), onde foram adicionados, a princípio, cálculos diagnósticos para um melhor entendimento dos processos físicos simulados e de sua importância relativa.
Desde a implantação do MRF do NCEP no COLA, o modelo tem sofrido mudanças significantes por ambos os grupos. À medida que ambas versões evoluiram, as principais mudanças efetuadas pelo NCEP para melhorar a previsão de médio prazo, foram introduzidas pelo grupo de simulação climática do COLA para manter o avanço em conjunto. Por outro lado, devido à natureza experimental das mudanças feitas pelo grupo do COLA, tornou-se não-prático a adoção de tais mudanças pelo NCEP. Como resultado, os modelos têm divergido, de modo que atualmente existem diferenças substanciais. Apesar de haver muitos pontos em comum, há grandes diferenças no tratamento da radiação, no tratamento dos processos de superfície e da resolução, entre outras. Uma diferença importante é a existência de um módulo complexo de tratamento da vegetação, o Simple Byosphere Model (SIB).
O CPTEC adotou a versão 1.7 do COLA, que tem truncamento romboidal. Essa versão foi generalizada para truncamento triangular, foram introduzidas resoluções horizontal e vertical versáteis, adaptações na geração de arquivos de entrada e saída para as necessidades operacionais do CPTEC e utilização de temperatura da superfície do mar média observada da última semana. Essa versão é chamada de versão 1.0 CPTEC/COLA.
O MCGA é usado tanto para previsão de tempo operacional, quanto para previsão de clima experimental. A resolução em uso é T62L28, ou seja, truncamento triangular na onda zonal de número 62 e 28 camadas na vertical. O MCGA é rodado para previsão de seis dias nos horários 00 e 12 UTC e para previsão de doze horas às 06 e 18 UTC. As rodadas intermediárias são feitas para produzir um ciclo de assimilação de seis horas.
Este texto foi baseado em um relatório técnico do COLA (1991).
2. O Modelo
As leis físicas básicas que governam os movimentos atmosféricos utilizadas pelo MCGA são as leis de conservação de massa e de umidade, de energia e de momentum angular. As equações empregadas incluem as equações da continuidade de massa para o ar seco e vapor d'água, a primeira lei da termodinâmica e as equações do movimento (segunda lei de Newton). A equação para a componente vertical da velocidade (paralela ao vetor força gravitacional) é simplificada para uma relação diagnóstica pois, nas escalas espacial e temporal de interesse, as forças verticais estão em aproximado balanço hidrostático. O conjunto completo dessas equações é chamado de equações primitivas. O modelo é global em extensão e conforme a um sistema com geometria esférica, onde a altitude é suficientemente pequena para que a distância ao centro da Terra seja aproximadamente constante (igual ao seu raio médio), desde que a distância acima da superfície da Terra seja incluída como variável independente.
As variáveis prognósticas do MCGA são: o logarítimo da pressão à superfície, a vorticidade (componente vertical do rotacional do vento), a divergência do vento horizontal, a temperatura virtual e a umidade específica. Além dessas, existem outras que são previstas nas parametrizações incluídas no modelo, tais como: temperatura de superfície, do interior do solo e do interior do dossel, umidade do solo, entre outras.
As equações do modelo são escritas na forma espectral e as equações do movimento horizontal são transformadas nas equações da vorticidade e da divergência, o que facilita tanto o tratamento espectral quanto a implantação do método semi-implícito de integração no tempo. Existe também um esquema de inicialização utilizando os modos normais do modelo linearizado sobre um estado básico em repouso e com temperatura em função apenas da vertical; essa inicialização inclui os termos referentes aos processos diabáticos.
As equações do modelo são resolvidas por meios numéricos. Como o sistema é altamente não-linear, há que se discretizar as quatro dimensões. O tempo é dividido em passos com espaçamentos regulares fixos e a diferenciação é feita por um método semi-implícito envolvendo as equações da continuidade, da divergência e da termodinâmica, enquanto que as equações da vorticidade e da conservação de umidade específica são tratadas explicitamente; isso é devido ao fato de que as primeiras são as responsáveis pela geração de ondas de alta frequência. As variações espaciais nas duas dimensões horizontais são representadas por coeficientes de projeção sobre uma base de funções que formam um conjunto ortonormal completo, que são particularmente adequadas para movimentos de fluidos com geometria esférica: os harmônicos esféricos (série de Fourier na direção oeste-leste e de Funções Associadas de Legendre sul-norte). Essa representação permite o cálculo analítico das derivadas nas direções horizontais. As derivadas verticais são calculadas por diferenças finitas com espaçamento irregular sobre a coordenada de pressão normalizada (pressão do nível dividida pela pressão à superfície no ponto considerado, chamada coordenada sigma). A coordenada sigma tem a vantagem de permitir a introdução muito facilmente da topografia, pois sigma tem valor constante igual a 1 acompanhando a superfície da Terra. O espaçamento vertical é irregular pois é necessária uma resolução maior próximo à superfície, devido aos processos de camada limite e transferência de fluxos de energia entre solo e ar; também é necessária resolução maior na região de interface entre troposfera e estratosfera devido a variações verticais rápidas principalmente no campo de temperatura.
3. Os Processo Físicos Parametrizados
A superfície da Terra é composta de uma variedade de diferentes plantas, solos e formações geográficas, as quais trocam massa, momentum e calor com a atmosfera em graus e modos dos mais variados. O MCGA inclui uma formulação explícita da vegetação sobre a superfície da Terra e seus intercâmbios com a atmosfera e solo, que é baseada em um modelo biosférico simples (SIB). Detalhes sobre esse modelo podem se encontrados em Rocha (1992). A evaporação e os fluxos de calor sensível da superfície dos oceanos para a atmosfera são importantes fontes de energia para a atmosfera; esses efeitos são parametrizados no MCGA de acordo com um esquema aerodinâmico no qual o fluxo é proporcional à velocidade do vento na superfície e à diferença de temperatura ou de umidade entre a superfície do oceano e o ar adjacente.
A camada limite planetária é parametrizada através de um esquema fechado de ordem 2.0 para a difusão vertical. Os efeitos da mistura de calor, momentum e umidade pela turbulência de pequena escala é representada por essa difusão vertical. Os coeficientes de mistura são calculados considerando um balanço local entre a produção e dissipação de energia cinética turbulenta. É considerado também um arrasto topográfico pelas ondas de gravidade como um mecanismo de amortecimento nas equações do movimento; os coeficientes de amortecimento são calculados considerando a variância da silhueta orográfica do modelo.
A radiação é dividida em aquecimento devido às onda curtas (radiação solar) e devido às ondas longas (radiação terrestre). A força propulsora de todos os movimentos atmosféricos relativos à superfície da Terra é o aquecimento devido à absorção de radiação solar. O espectro de emissão pelo Sol tem o pico na banda visível no final dos comprimentos de onda relativamente curtos do espectro eletromagnético. Como os raios solares não são verticais em todas as latitudes há uma forte variação no aquecimento solar sobre o globo. A presença de nuvens na atmosfera também modulam fortemente a absorção de radiação solar. As nuvens são boas espalhadoras de radiação de onda curta e também são responsáveis por uma fração substancial do albedo planetário em regiões que não são cobertas por gelo. A formulação do aquecimento solar no MCGA inclui o aquecimento atmosférico devido a absorção de radiação solar pelo ozônio. A concentração de ozônio é especificada através de uma média zonal climatológica. Desde que a nebulosidade tem impacto na quantidade de radiação solar que é espalhada e absorvida, a nebulosidade prevista é usada no cálculo do aquecimento solar. O aquecimento devido às ondas curtas é calculado a cada hora do tempo simulado.
Para balancear a absorção de radiação solar, a Terra emite radição para o espaço resultando na conservação de energia do sistema terra / atmosfera na média global e no tempo. A radiação emitida pela Terra para o espaço tem pico na banda do infravermelho. A emissão de radiação de onda longa pela superfície da Terra pode também ser absorvida por constituintes da atmosfera e pode ainda ser reemitida. A distribuição da emissão pela superfície, bem como das espécies absorventes / emitentes e das nuvens não é uniforme sobre o globo, e então, o aquecimento devido às ondas longas não é igualmente distribuido. A distribuição desigual de aquecimento devido à radiação de ondas curtas e longas induz gradientes de pressão que causam os movimentos atmosféricos. O aquecimento devido à radiação de ondas longas é parametrizado como banda larga e inclui aquecimento atmosférico devido à absorção de radiação terrestre pelo vapor d'água (previsto), pelo dióxido de carbono (especificado), nuvens (previstas) e também por outras espécies radiativamente ativas menos importantes. A quantidade de nuvens é dependente da umidade específica, que é prognosticada, na coluna vertical em questão. O aquecimento atmosférico devido às ondas longas é calculado a cada três horas de tempo simulado.
As parametrizações de aquecimento devido à radiação de ondas curtas e de ondas longas são substancialmente afetadas pela presença de nuvens. Inicialmente, o MCGA do COLA incluía nuvens especificadas usando uma climatologia média zonal do GFDL. Porém, foi mostrado que as nuvens previstas alteram o balanço de energia e proporcionam um reservatório de energia potencial disponível, para gerar movimentos atmosféricos, maior que as nuvens zonalmente simétricas. Então, foi adotado um esquema para considerar esse efeito, que prevê nuvens em três camadas e mais nuvens convectivas profundas. O critério usao para se determinar a quantidade de nuvens em uma dada coluna inclui a umidade relativa e a velocidade vertical para nuvens baixas, médias e altas. A quantidade de nuvens convectivas é baseada na razão de precipitação convectiva prevista na parametrização de convecção profunda.
Os processos úmidos do MCGA incluem a condensação de grande escala, a convecção profunda e a convecção rasa. Entre os processos muito importantes que afetam tanto a dinâmica quanto a termodinâmica da atmosfera, a mudança de fase da água se destaca. Quando uma parcela de ar contendo vapor d'água é resfriada, sua capacidade de reter vapor d'água é reduzida até que a parcela fique saturada. Se a parcela continuar a ser resfriada, o vapor d'água muda para a fase líquida, formando as nuvens. Apesar deste ser um processo complexo envolvendo a disponibilidade de núcleos de condensação de nuvens, ele é tratado de uma forma muito simples pelo MCGA. Sempre que o conteúdo de umidade previsto em um dado volume exceder o valor de saturação, o excesso de vapor d'água é condensado para líquido e transformado em precipitação. Os cálculos são efetuados da camada mais alta do modelo para a mais baixa, incluindo a possibilidade de que a água líquida possa evaporar nas camadas intermediárias do modelo, se estas não estiverem saturadas. A água líquida que chega à superfície é convertida em precipitação. Nem toda condensação tem lugar simplesmente pela supersaturação de volumes do tamanho da grade do modelo, muita da massa de água que é condensada na atmosfera provem de nuvens convectivas de escalas relativamente pequenas. Esta precipitação de convecção profunda pode ser desencadeada pela convergência de fluxo de umidade na escala subgrade em colunas condicionalmente instáveis. Em regiões onde a coluna atmosférica só é condicionallmente instável perto da superfície, podem ser induzidos emborcamentos verticais nas escalas subgrade. As nuvens cumulos rasas resultantes não produzem necessariamente precipitação, mas atuam no sentido de transportar calor e umidade para cima. A convecção rasa é parametrizada através de um aumento da difusão vertical de calor e umidade.
Além dos processos físicos já descritos, são considerados ajustes difusivos: a difusão horizontal e a local. A difusão horizontal é necessária para controlar ruídos de pequena escala que surgem no modelo. A origem de tais ruídos são: a) os efeitos do truncamento espectral finito, que interrompe a cascata de enstrofia e/ou energia para escalas pequenas; b) ondas de gravidade de pequena escala causadas pelos processos físicos subgrade; c) efeitos puramente computacionais. Desde que as escalas maiores, bem resolvidas, não devem ser afetadas é utilizado um tipo de difusão seletivo de escala biharmônico. A difusão local torna-se necessária em regiões onde o jato é muito forte podendo comprometer a estabilidade numérica de integração no tempo. Para manter o jato em valores compatíveis com os critérios de estabilidade numérica, é feita uma dissipação local newtoniana toda vez que o vento utrapassar um valor crítico pré-definido.
4. Condições Iniciais e de Contorno
As condições iniciais do modelo são coeficientes espectrais de: logarítimo da pressão à superfície, temperatura virtual, divergência horizontal, vorticidade vertical e umidade específica. A topografia é tratada em forma espectral, de modo que é representada por um série truncada, sujeita a problemas como o efeito Gibbs.
A condição de contorno superior do MCGA é uma restrição cinemática que impõe velocidade vertical, em coordenada sigma, nula em todos os pontos na superfície e no topo do modelo, para satisfazer a conservação de massa. Essa restrição é usada na solução das equações através da diferenciação vertical em coordenada sigma.
Para representar os processos atmosféricos em escala de tempo climática de um mês ou mais, os campos na superfície da Terra que mais significativamente afetam a atmosfera devem ter variação no tempo. Esses campos incluem a temperatura de superfície sobre os continentes e oceanos, considerando tanto água livre como gelo do mar, umidade do solo, albedo da superfície e altura de neve. Dentre esses campos, os de temperatura de superfície continental, temperatura do gelo do mar e altura de neve variam muito rapidamente com o tempo e devem ser tratados como variáveis prognósticas no modelo, tornando-os acoplados com a atmosfera, mesmo em escalas de tempo menores. Os demais campos podem também ser tratados como variáveis prognósticas, porém variam de forma suficientemente lenta para que sejam considerados como condicões de contorno do modelo, podendo variar independentemente com o tempo. Assim procedendo, as respostas atmosféricas a esses campos podem ser deteminadas sem a consideração de resíduos armazenados em cada um desses campos. À medida que o conhecimento da correspondente resposta atmosférica a esses campos aumentar, eles também se tornarão variáveis prognósticas do modelo.
Referências Bibliográficas
COLA, 1991: Documentation of the COLA Atmospheric General Circulation Model. Center for Ocean, Land and Atmospheric Studies, Calverton, MA, COLA Staff, Draft.
Rocha, H. ,1992. Modelagem de interação biosfera-atmosfera para áreas de floresta e de pastagem na Amazônia. Tese de Mestrado. INPE-5454. TDI/496.