Variabilidade e MudanTaua Climsstica no Brasil e América do Sul



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VARIABILIDADE E MUDANÇA CLIMÁTICA NO BRASIL E AMÉRICA DO SUL


José A. Marengo e Cíntia B. Uvo

Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)


Introducão

Neste capítulo é apresentado um estudo de séries temporais de precipitação e de vazões/cotas de rios em diversas regiões do Brasil, com o objetivo de observar a existência de variações sistemáticas nesses parâmetros que indicariam mudanças climáticas. Séries históricas de dados desde o início do século foram analisadas e o teste de Mann-Kendall (Lettenmaier et al. 1991, 1994, Marengo 1995) foi utilizado para determinar a presença de tendências, suas direções e se são estatisticamente significantes ou não.

A importância do estudo da variabilidade em vazões de rios está no fato de que esta encontra-se diretamente ligada ao gerenciamento de águas e ao uso dos recursos hídricos, o que por sua vez, afeta assentamentos humanos, a disponibilidade de água tanto em ambiente urbano quanto em atividades rurais, o desenho de sistemas de irrigação, a geracão de energia hidrelétrica, e diversas outras atividades.

Observações históricas dos elementos do clima na superfície foram utilizadas para se identificar a existência ou não de sinais de mudanças climáticas nas observações hidrometeorológicas (Diaz, 1991). É conhecido o fato de a correspondência entre chuva e vazões de rios ser fortemente não linear, no entanto, é correto assumir que grandes anomalias de precipitação resultam em anomalias de descarga de rios de mesmo sinal. Isto acontece porque as vazões integram a variabilidade espacial da precipitação dentro da bacia.

Para a América do Sul, trabalhos anteriores utilizaram dados de rios como indicadores da variabilidade interanual do clima no norte da Amazônia (Marengo 1995, Marengo et al. 1993, Marengo 1992, Richey et al. 1989, Molion and Moraes 1987), na Argentina (Kousky et al. 1984, Aceituno 1988, Marengo 1995), na Colombia e no Paraguay (Marengo 1995), no Uruguay (Mechoso and Perez Iribarren 1992), e no norte da América do Sul (Hastenrath 1990). Neste trabalho, dados de vazões de rios de algumas bacias do Brasil foram usados para avaliar a variação a longo prazo dos componentes do ciclo hidrológico a partir do início deste século.

Uma importante região que faz parte do sistema climático na América do Sul é a Amazônia onde variações da descarga do Rio Amazonas e de seus afluentes estão sincronizadas com a distribuição da precipitação na bacia e em suas sub-bacias (Marengo 1992).

O desmatamento como resultado das atividades humanas na Amazônia, aumentou rapidamente nas recentes décadas e há evidências de que esse desmatamento afetou características da baixa atmosfera. Resultados de modelos (Nobre et al. 1991) estimam uma diminuição de 15 a 30% da precipitação sobre a Amazônia caso a região seja toda desmatada, no entanto, até o presente momento, não há evidência observacional de uma mudança climática na região.

Variações interanuais das chuvas na Amazônia têm sido uma constante preocupação para cientistas e vários estudos foram desenvolvidos considerando a resposta dos rios da Bacia Amazônica a essas variações. Marengo (1991, 1992) e Marengo e Hastenrath (1993) estudaram as variações do nível do Rio Negro como conseqüência da variação anual da precipitação relacionada a extremos do El Niño-Oscilação Sul (ENSO). Grandes desvios negativos nos níveis do Rio Negro foram observados durante 1925-26, 1935-36, 1966-67 1979-80, 1983 e 1992, períodos que coincidem com a ocorrência de fortes eventos El Niño (fase quente do ENSO), o que evidencia a influência do fenômeno sobre o nível desse rio.

O Nordeste brasileiro, diferentemente da Amazônia, é uma região onde predomina o clima semi-árido caracterizado por uma grande variabilidade anual na precipitação (Kousky 1980). Historicamente a Região sempre foi afetada por grandes secas ou grandes cheias. Relatos de secas na Região podem ser encontrados desde o século XVII, quando os portugueses chegaram à Região (Tabela 1). Estatisticamente, acontecem de 18 a 20 anos de seca a cada 100 anos.

Hastenrath e Greischar (1993) examinaram séries históricas de precipitação em uma rede de estações bem distribuídas sobre o Nordeste brasileiro e não encontraram tendências significativas para condições mais úmidas ou secas na Região, no entanto, outros trabalhos mostram que a precipitação nessa Região é bastante sensível a extremos de temperatura da superfície do mar no Pacífico equatorial associados ao ENSO (Ropelewski and Halpert 1987, 1989), assim como as anomalias de temperatura da superfície do Atlântico, associadas ao dipolo de anomalias de temperatura da superfície do mar do Atlântico (Moura e Shukla 1981; Uvo et al. 1996).

Análises

Os rios analisados neste trabalho ( Fig.1 ) mostram uma alternância de períodos secos e úmidos, e observa-se que alguns desses períodos tem a duração de até 15 anos. As tendências negativas apresentadas pelas vazões do Rio Paraíba do Sul (estação Guaratinguetá) e do Rio São Francisco (estação Juazeiro) poderiam induzir à idéia de que as bacias destes dois rios estariam sendo afetadas sistematicamente por cada vez menos chuva. No entanto, a análise da precipitação na parte alta e média das duas bacias (Marengo e Uvo 1996) indicaram que as chuvas não apresentam qualquer tendência, o que é um indício de que, nessas bacias, as tendências negativas na descarga estariam ligadas mais ao gerenciamento de águas do que à conseqüência de uma mudança climática regional.

Para a Alta Amazônia (Peru e Equador), Gentry e Lopez-Parodi (1980) apresentaram a hipótese, suportada por Rocha et al. (1989), de um incremento das descargas dos rios durante 1960-80 devido ao desmatamento. Mais, o efeito de desmatamento na parte alta das bacias produziria um acúmulo de areia e sedimentos no fundo do rio, causando assim uma leitura alta e artifical das cotas. Este caso, entretanto, não se aplica para a variabilidade interanual das cotas do Rio Negro em Manaus ( Fig. 2 ). Da mesma forma, análises de tendência para vazões de outros rios da Amazônia, como o Jamari, Ji-Paraná e Tocantins não indicaram tendências climáticas. Em todos eles foi observado um aumento dos níveis durante 1970-1980. Esse aumento porém, parece ser parte da variabilidade natural do clima e não um indicador de mudança climática.

Por outro lado, na parte sul da Amazônia, onde o desmatamento é mais intenso, a atividade convectiva não apresentou grande variação nas últimas décadas. É interessante ressaltar os resultados de Dias de Paiva and Clarke (1995), que indicam uma tendência negativa de precipitação sobre boa parte do norte da Amazônia e da bacia do Rio Xingu. Eles basearam seus resultados na análise de séries de dados de precipitação que, em muitos casos, chegaram a 15 anos de registro, e as tendências negativas encontradas não apresentaram significância estatística. Tardy et al. (1994) mostraram que entre 1910 e 1990 a chuva e vazões do Rio Amazonas têm diminuído sistematicamente, porém eles obtiveram seus resultados com dados de precipitação em Manaus e nas vazões do Rio Amazonas em Óbidos, cujas séries de dados, entretanto, não são necessariamente homogêneas.

Em recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC 1996), estudos sobre Variabilidade e Mudança Climática Observada indicam que é muito difícil separar a componente humana da componente climática nas tendências observadas em dados de rios. A falta de dados de alta qualidade de precipitação e cotas/vazões em muitas partes da Amazônia torna difícil o estudo da variabilidade e mudanças climáticas nesta região. Não só há muitas variáveis naturais, mas também a população muda o meio ambiente, o que na América Latina está acontecendo num ritmo muito acelerado.

Até o presente momento, não foram observadas mudanças climáticas consistentes com os dados de rios analisados no Brasil e na América do Sul em geral. Entretanto, um forte sinal do ENSO, isto é, de uma variabilidade interanual, é evidente no nordeste do Brasil e com certa limitação no oeste da Amazônia.( Tabela 1 )

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