As anomalias que ocorrem sobre a América do Sul são associadas principalmente ao deslocamento da célula de Walker, do fortalecimento do jato subtropical e de um possível trem de ondas que se estende do Pacífico até o sul da América do Sul. O deslocamento da célula de Walker, para leste, tem influência sobre o NE do Brasil e parte da Amazônia , regiões que ficam sob a ação do ramo descendente dessa célula, (Kousky et al, 1984). O fortalecimento do jato subtropical ocorre devido ao forte aquecimento na região do Pacífico Equatorial, que provoca um aumento do gradiente de temperatura norte - sul e também um transporte de momentum em altos níveis, da região de liberação de calor latente tropical, para os ventos de oeste. O aumento dos ventos de oeste sobre a América do Sul, no ano de 1983, comparado a outros anos pode ser visto em Cavalcanti, 1985. O trem de ondas da região do Pacífico para o sul da América do Sul foi esquematizado por Karoly (1989), e identificado em resultados de modelos numéricos, como em Hsu et al (1990), e em estudos com dados observados, em Cavalcanti (1992), ( Fig.2 ). Anomalias de precipitação observadas em 1982/1983, no NE e no Sul do Brasil e analisadas em Kousky et al (1984) e Kousky e Cavalcanti (1984), ocorreram novamente em 1986/1987 e durante o ENSO estendido de 1990 a 1994.

As anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) no Pacífico, de 1985 a 1995 são apresentadas na Fig.3 , onde pode-se destacar os períodos de El Niño, de 86/87 e de 90 a 94. Dentre o período estendido, nota-se que o máximo de anomalias positivas ocorreu em 91/92, com um máximo também próximo da costa da América do Sul. Um segundo máximo ocorreu no fim de 1994. Em 1990 e começo de 1991 as anomalias positivas foram fracas e ocorrearam apenas no Pacífico Central. No início de 1994 houve um período de normalidade no Pacífico Central e até de temperaturas abaixo da média próximo à costa oeste da América do Sul. Nesta figura também são observadas as anomalias negativas de TSM em 88/89, que caracterizou um episódio La Niña (anti-El Niño). Além deste, pode-se observar as anomalias negativas em 1985 (continuação do episódio de 1984) e em 95/96, considerado como um episódio de fraca La Niña.

Anomalias de Radiação de Onda Longa e da componente zonal do vento em 850 hPa (médias de 5N a 5S) são mostradas na Fig.4 . As regiões com intensa convecção no Pacífico são identificadas nos períodos em que ocorreram as anomalias positivas de TSM (86/87, 90-94). Nesses mesmos períodos ocorrem anomalias positivas da componente zonal do vento, indicando um enfraquecimento dos ventos de leste na região equatorial do Pacífico. Condições opostas são notadas nos períodos La Niña.

O início dos episódios desta década, assim como o de 82/83 foi diferente dos anteriores. O aquecimento da TSM ocorreu inicialmente no Pacífico Central e depois se estendeu para a costa da América do Sul. Essa diferença foi analisada por Wang (1995), que a associou à variação interdecadal da SST detectada em um estudo de Funções Ortogonais Empíricas. Nesse estudo o primeiro autovetor apresentou uma configuração semelhante a episódios ENOS, e a série temporal dos coeficientes indicou dois períodos distintos, valores negativos para o período anterior a 1979 e valores positivos após este ano. Essa variação interdecadal da SST estaria influenciando nas características do estágio inicial dos episódios ENOS.

O episódio de 1986/1987 foi analisado por Kousky and Leetmaa (1989). A convecção se intensificou no Pacífico Equatorial Central durante o período de setembro a novembro de 1986, próximo à região de anomalias positivas de TSM. Em novembro a maioria dos índices usados para monitorar a Oscilação Sul indicava que um episódio quente iria ocorrer. Contudo, as condições clássicas de El Niño, caracterizado por anomalias positivas de TSM ao longo da costa oeste da América do Sul ainda não haviam aparecido. Essas condições só começaram a aparecer em janeiro de 1987, como documentado em Kousky (1987). Dentre as características globais, analisadas em Kousky and Leetmaa (1989), foi observado que ventos de oeste mais fortes que o normal se desenvolveram sobre a América do Sul subtropical, durante maio de 1987. Anomalias negativas de OLR (precipitação acima da normal) foram encontradas no sul do Brasil e anomalias positivas (condições mais secas que a normal) no nordeste da América do Sul, durante o verão (H.S.) de 86/87, (Kousky, 1987). Diferenças de variáveis meteorológicas entre o verão de 86/87 e 88/89, realçaram as influências dos episódios El Niño e La Niña sobre a região tropical da América do Sul, em Cavalcanti e Rao (1996).

Séries temporais de precipitação para abril, maio e junho de 1987, em São Paulo (S.P.), Indaial (Sta Catarina) e Bagé (R.G.Sul), ( Fig. 5 ), mostram as intensas precipitações em Bagé no mês de abril e em Indaial no mês de maio, enquanto em São Paulo as precipitações foram de baixa intensidade. A tabela I mostra os desvios de precipitação mensal, considerando a média de 1961 a 1990, nas 3 cidades. Esses valores retratam as ocorrências anômalas durante o El Niño de 86/87: chuvas acima da média em áreas do sul e abaixo da média em áreas do sudeste.

As influências do episódio de 86/87 sobre o NE do Brasil começaram em abril de 87, quando houve uma abrupta diminuição das chuvas no semi-árido, como documentado em Climanálise (1992). Nesse boletim é mencionado que houve chuvas abundantes no NE em março, porém a precipitação em abril e maio ficou abaixo da média ( Tabela 1 ).

As influências do ENOS estendido (1990-1994) sobre o sul do Brasil começaram em abril de 1992, quando o primeiro período de intensa precipitação ocorreu na região sul. Na Fig. 6 é mostrada a série temporal de anomalias de precipitação em Bagé (Rio Grande do Sul), de junho de 1991 a dezembro de 1993. (No meio de 1991 é que as anomalias positivas de TSM começaram a se intensificar). Os dois meses com maiores desvios positivos de precipitação são abril/92 e maio/93. Em todos os casos de intensa precipitação foi observado um sistema frontal sobre o sul, algumas vezes interagindo com um vórtice ciclônico nos altos níveis da troposfera, ou com um jato subtropical, como em 1983. Entretanto, uma diferença entre os dois períodos é que em 1983 alguns desses sistemas ficaram estacionários sobre a região sul, enquanto em 1992, o número de sistemas que passaram sobre a região sul e foram desintensificados sobre o sudeste do Brasil foi maior (Cavalcanti e Gan, 1992). Gan and Rao (1991) observaram que nos anos El Nino a frequência de ciclogêneses era alta sobre o continente, indicando também uma explicação para as altas precipitações encontradas nesses anos, no sul do país.

No NE houve um extenso período de seca, de 1990 a 1993. A precipitação na estação chuvosa do NE foi 28% abaixo da média em 1990 e 13% abaixo da média em 1991 (Climanálise, 1992a). Em 1992, as precipitações ficaram 30% abaixo da média em março, 34,7% abaixo da média em abril, e 87% abaixo da média em maio (Climanálise, 1992b) As precipitações na estação chuvosa de 1993 ficaram 63% abaixo da média (Climanálise, 1993). Ressalta-se que durante este período de El Niño estendido, as anomalias no Pacífico Equatorial foram mais intensas em 1992 ( Fig.3 e Fig.4 ). Anomalias globais de precipitação para a estação chuvosa do NE, em 1992, são apresentadas na Fig. 7 . Ao mesmo tempo que há um excesso de precipitação no Pacífico Equatorial, há déficit na região norte do NE, associado à fraca intensidade da ZCIT. Nota-se também nesta figura, o excesso de precipitação no sul do Brasil. A série temporal de anomalias de precipitação para a estação de Quixeramobim (Ceará), ( Fig.8 ), mostra os grandes desvios, mais acentuados em 1993. Além das influências das anomalias de TSM do Pacífico, as anomalias do Oceano Atlântico também afetam a precipitação no NE do Brasil (Ver Secão..). Em 1994 a estação chuvosa do NE voltou a se normalizar com precipitações um pouco acima da normal. Nota-se na Fig. 4 que no início de 94 haviam anomalias negativas na costa oeste da América do Sul, indicando que não havia uma situação desfavorável para precipitação no NE. Diferenças entre os verões e outonos de 92/93 e 93/94 foram analisadas em Cavalcanti et al (1996). A precipitação e radiação de onda longa associadas à ZCIT durante esses dois anos refletem bem a ação do ramo subsidente da célula de Hadley na região, na estação chuvosa de 1993.

Durante os anos de 1991 a 1993, dentro do período do episódio El Niño estendido de 1990 a 1994, os sistemas que atuam sobre o Brasil tiveram comportamento anômalo, esquematizado na Fig. 9 . A ZCIT estava muito fraca e não se deslocou para sul de fevereiro a abril, como é o normal.. Os vórtices ciclônicos em altos níveis que atuam no verão na região NE também não causaram precipitação. A convecção associada à Alta da Bolívia foi fraca e a Zona de Convergência do Atlântico Sul foi também fraca em alguns meses da primavera e verão. A maioria dos sistemas frontais não se deslocou de sul para norte, e foram intensificados na região sul do Brasil pelo jato subtropical, o que causou enchentes em algumas localidades do sul. No inverno de 1993 houve ocorrência de neve em algumas regiões do sul. Essas ocorrências não são comuns e acontecem somente em alguns invernos e em regiões serranas. Temperaturas mínimas em Chapecó (Sta Catarina) , no inverno de 1993, são mostradas na Fig. 10 . Entretanto, as regiões sudeste e centro-oeste apresentaram anomalias positivas de temperatura média diária durante os anos de 1991 a 1994. A série de anomalias de temperatura em Franca (S.P.), de junho de 1991 a dezembro de 1993 é mostrada na Fig. 10 . Notam-se altos valores de anomalias em praticamente todos os meses. As anomalias de temperatura para 1994 são apresentadas na Fig.12, para as estações do ano. A documentação do comportamento anômalo dos sistemas mencionados pode ser encontrada nas revistas Climanálise desse período.

Análises da influência do ENOS no Brasil e das anomalias associadas necessitam ser continuamente realizadas. A posição da anomalia mais intensa no Pacífico Equatorial parece ter uma influência na posição das anomalias de precipitação na América do Sul. Investigações das influências de La Niña sobre o Brasil são ainda objeto de pesquisa e também precisam de contínuas análises.

Referências Bibliográficas

CPC, 1996. Climate Diagnostics Bulletin, August. (Climate Prediction Center, National Oceanic and Atmospheric Administration, Washington, D.C.)

Cavalcanti, I. F. A., 1985 . Casos de intensa precipitação nas regiões sul e sudeste do Brasil no período de inverno de 1979-1983. INPE-3743-RPE/498.

Cavalcanti, I.F.A. e Gan, M.A. Anomalous precipitation in Southern Brazil and ENSO events. Apresentado no Workshop sobre o fenômeno ENOS e a variabilidade climática nas escalas sazonal a interanual:Impactos socioeconômicos, previsão e aplicações ao processo de tomada de decisão. Florianópolis, 1992.

Cavalcanti, I.F.A., 1992. Teleconexões no Hemisfério Sul e suas influências na circulação da América do Sul. Anais do VII Congresso Brasileiro de Meteorologia, São Paulo, 28 set-2 out, 1992.

Cavalcanti, I. F. A. e V. B. Rao, 1996. Variação nas características de umidade nos anos de El Niño e La Niña de 1987 e 1988. VIII Congresso Brasileiro de Meteorologia . Campos do Jordão (S.P.), 6-13 Novembro, 1996.

Cavalcanti, I. F. A. ; P. Nobre e I. Trosnikov, 1996. Simulação de verão e outono de 92/93 e 93/94 com o modelo de circulação geral da atmosfera do CPTEC/COLA. VIII Congresso Brasileiro de Meteorologia. Campos do Jordão (S.P.), 6-13 Novembro, 1996.

Climanálise, 1993. Boletim de Monitoramento e Análise Climática, Vol.8 (5).

Climanálise, 1992a. Número especial (01/92) adendo aos números de janeiro a junho de 1992.

Climanálise, 1992b. Número especial (06/92) adendo aos números de janeiro a junho de 1992.

Gan, M. A. and V. B. Rao, 1991. Surface cyclogenesis over South America. Monthly Weather Review,19 (5):1293-1302.

Halpert, M. S.; G.D.Bell; V.E. Kousky; C. Ropelewski. Climate Assessment for 1995. Bulletin of the American Meteorological Society, Vol.77(5), 1996.

Hsu , H. H.; B. J. Hoskins and F. F. Jin, 1990. The 1985/1986 intraseasonal oscillation and the role of the extratropics. J. Atmos. Sci., 47: 823-839.

Karoly, D. K. ,1989. Southern Hemisphere circulation features associated with El Niño- Souther Oscillation Events. Journal of Climate, Nov. :1239-1252.

Kousky, V. E. ; Kayano, M. T. ; Cavalcanti, I. F. A. , 1984. A review of the southern oscillation oceanic atmospheric circulation changes and related rainfall anomalies. Tellus, 36 A: 490-504.

Kousky, V. E; I. F. A.Cavalcanti, 1984. Eventos Oscilação Sul / El Nino. Características, evolução e anomalias de precipitação. Ciência e Cultura, Vol.36(11):1888-1899.

Kousky, V. E., 1987. The global climate for December 1986-February 1987:El Niño returns to the TTRopical Pacific. Mon. Wea. Rev., 115, 2822-2838.

Kousky, V. E. and A. Leetmaa, 1989. The 1986-87 Pacific Warm Episode: Evolution of Oceanic and Atmospheric Anomaly Fields. Journal of Climate, Vol.2 (3):254-267.

Kousky, V. E., 1996. Seminário: Variabilidade atmosférica e oceânica durante a década do TOGA relacionada com o fenômeno El Niño- Oscilação Sul. CPTEC, 22/agosto.

Ropelewski, C. F. and M. S. Halpert, 1987. Global and regional scale precipitation patterns associated with the El Niño / Southren Oscillation. Mon. Wea. Rev.,115,1606-1626.

Wang, B. , 1995. Interdecadal changes in El Nino onset in the last four decades. Journal of Climate, Vol.8 (2):267-285.