TELECONEXÕES


Perturbações atmosféricas de grande intensidade, tais como as anomalias de circulação geradas por núcleos de convecção profunda, são capazes de induzir a formação de trens-de-ondas que propagam-se na atmosfera e transportam tais perturbações até pontos remotos do globo. À medida que o trem-de-ondas avança na atmosfera, ele pode induzir ao longo de sua trajetória, desvios no comportamento atmosférico de certas regiões.

O fenômeno El Niño é um comportamento fortemente anômalo do sistema oceano-atmosfera do Pacífico Equatorial Leste, que induz a propagação de trens-de-ondas ao redor do globo. O transporte das flutuações atmosféricas geradas por este tipo de fenômeno através do continente sul-americano pode resultar, por exemplo, em fortes chuvas na Região Sul do Brasil. Neste caso, pode-se dizer que a região de atuação do El Niño influencia remotamente na circulação atmosférica no Sul do Brasil, através de mecanismos de teleconexões.

Como monitoramento da manifestação destes mecanismos, pode-se utilizar várias técnicas (tais como Funções de Influência, Funções Empíricas Ortogonais, etc.) que visam avaliar o grau de correlação entre pontos remotos do globo. Através deste tipo de avaliação, pode-se determinar quais regiões influenciam remotamente com maior eficiência, a circulação atmosférica nas regiões de interesse. A partir dos resultados obtidos em diversos estudos já realizados, conhece-se as regiões (ou centros de ação) que podem efetivamente, influenciar a atmosfera sobre o continente sul-americano.

Já se sabe, por exemplo, que o estabelecimento da Zona de Convergência do Pacífico Sul (ZCPS) pode influenciar remotamente, a circulação atmosférica sobre o continente sul-americano, induzindo (ou não) a manifestação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS).

O campo de anomalias de Radiação de Onda-Longa (ROL) para o mês de janeiro (figura 1.2.4) , mostra que em média, tanto a ZCPS (20oS - 30oS, 140oW - 170oW) quanto a ZCAS (20oS-30oS, 30oW-40oW) estiveram enfraquecidas durante este período, o que pode caracterizar a manifestação de teleconexões entre essas regiões. Anomalias positivas de ROL indicam atividade convectiva abaixo da média.

O campo de anomalias de Função Corrente em 200 hPa (figura 1.3.1) mostra como característica marcante, a presença de circulações anticiclônicas na faixa tropical de ambos os hemisférios, resultantes da intensa atividade convectiva sobre o Pacífico Equatorial Central e Leste. O estabelecimento desses centros de ação induz a propagação de trens-de-ondas, tanto para o norte quanto para o sul, e este último propaga-se para leste, ao sobrepor-se às flutuações atmosféricas transportadas pelo fluxo básico de oeste, desde o Leste da Austrália.

O padrão de anomalias positivas (negativas) de Função Corrente (Geopotencial) sobre a América do Sul concordou com a precipitação acima da média observada em janeiro sobre parte da Região Sul (vide seção 2.6), já que o cavado em altos níveis favoreceu o estabelecimento de convecção a leste do seu eixo. Sobre o Brasil Central (seção 2.4) e sul da Região Nordeste (seção 2.3), o padrão de anomalias concordou com a precipitação abaixo da média observada nestas regiões, já que nos subtrópicos, a ocorrência de convecção associada às chuvas deve estar relacionada com a circulação anticiclônica em altos níveis, ao contrário do que foi observado em janeiro.

Objetivamos então, avaliar a possível manifestação de mecanismos de teleconexões no último mês, monitorando o comportamento dos centros de ação conhecidos e suas influências sobre alguns pontos nas Regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil. Todos os pontos utilizados aparecem na figura 1.3.2 .

Notamos que alguns picos de convecção observados nos pontos A, B e C, podem estar remotamente relacionados com os centros de ação selecionados. Por exemplo, observou-se que nos dias 10, 11 e 26 de janeiro, alguns centros de ação apresentaram convecção acima da média, simultaneamente aos pontos B e C, enquanto que no dia 6, os mesmos pontos apresentaram um comportamento nitidamente oposto ao observado no ponto C (figuras 1.3.3 , e figura 1.3.3.d . Pode-se notar também, que o pico de anomalia negativa observado no ponto G (associado à posição climatológica da ZCPS) no dia 13 (figura 1.3.3.d), pode estar associado com a convecção abaixo da média observada nos pontos D, E e F, nos dias subseqüentes (figuras 1.3.3) respectivamente).

No entanto, como esta análise refere-se ao comportamento da atmosfera em pontos específicos do globo, perde-se a noção da escala espacial dos eventos analisados. Através de composições globais da anomalia de ROL, durante períodos de convecção acima da média nos pontos B e C (figuras 1.3.4 e 1.3.5), notamos que a ZCPS aparece sempre deslocada para leste da sua posição climatológica, e que o máximo de convecção na América do Sul esteve sempre posicionado próximo ao Uruguai e ao Norte da Argentina. Em nenhum dos casos, observou-se a manifestação de um episódio de ZCAS sobre o Sudeste do Brasil e Brasil Central (vide seção 2.8.2).