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INSTABILIDADE SIMÉTRICA CONDICIONAL: UM ESTUDO OBSERVACIONAL


Ana Maria Bueno Nunes

Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE)


1. Introdução

Estudos observacionais realizados no início do século por Bjerknes (1919) registraram regiões de intensa precipitação em forma de banda nos ciclones extratropicais. Tais bandas se apresentam como estruturas bidimensionais, ou seja, a precipitação é bem definida ao longo de um eixo horizontal geralmente paralelo ao vetor cisalhamento vertical médio do vento.

As bandas de precipitação são um fenômeno de mesoscala, pois apresentam escala horizontal em torno de algumas dezenas de quilômetro de largura, e uma escala temporal de poucas horas.

Nos últimos anos, a instabilidade baroclínica simétrica tem sido investigada como uma possível explicação para o surgimento das bandas de precipitação bidimensionais e de mesoscala. Os principais estudos que relacionaram a formação de bandas de precipitação, próximas aos sistemas frontais, com instabilidade simétrica são:

I. Bennetts e Hoskins (1979), onde, a partir da teoria da perturbação linear, foi explorado o conceito de instabilidade simétrica condicional ao incluírem os efeitos da liberação de calor latente em simulações numéricas;

II. Emanuel (1979) demonstrou que a instabilidade simétrica é um fenômeno de mesoscala;

III. Emanuel (1983) estabeleceu um método que necessita apenas de dados de uma única sondagem para avaliar a existência de instabilidade simétrica condicional de uma camada. Isto é feito através da quantificação da energia disponível para os movimentos ascendentes inclinados úmidos ou convecção inclinada úmida, utilizando a teoria da parcela;

IV. Bennetts e Sharp (1982) estabeleceram observacionalmente os limites de maior ou menor probabilidade de ocorrência das bandas frontais e a relevância da instabilidade simétrica condicional em tal predição;

V. Emanuel (1985) indica a forçante frontogenética como a responsável pela manutenção da estrutura de banda, mesmo depois de alcançada a neutralidade para os movimentos ascendentes inclinados úmidos;

VI. Innocentini e Caetano Neto (1992) utilizaram um modelo numérico hidrostático com uma parametrização simplificada da microfísica para simular a convecção inclinada úmida e, com isso, investigar o papel da evaporação da precipitação e da distribuição espacial da umidade no desenvolvimento de movimentos instáveis na atmosfera.

Os trabalhos anteriores formaram a base para tantos outros. Todos constataram a importância da instabilidade simétrica na organização da precipitação em bandas, cuja orientação parece depender da direção do cisalhamento vertical do vento.

2. A Instabilidade Simétrica

A Instabilidade Simétrica (IS) é resultado da combinação de dois tipos de estabilidade: a convectiva (ou potencial) e a inercial, cujas forças envolvidas são a de gravidade e a centrífuga, respectivamente.

O critério de estabilidade inercial para o Hemisfério Sul (HS) pode ser resumido da seguinte forma: < 0 (estável), = =0 (neutro) e > 0 (instável), onde (vg x) é a componente vertical da vorticidade absoluta, fo representa o valor médio do parâmetro de Coriolis num dado intervalo espacial; e vg é o vento geostrófico perpendicular ao eixo x, sendo x a direção perpendicular à banda de precipitação.

Seja Mg = fo x + vg , onde Mg é denominado momentum geostrófico absoluto e x é a distância sobre um eixo horizontal perpendicular às isolinhas de espessura da camada considerada, quando considera-se o escoamento básico como baroclínico bidimensional que satisfaça a relação do vento térmico (escoamento geostrófico). Neste caso, o critério de estabilidade inercial para HS pode ser reescrito como:

> 0 inercialmente instável,

=0 neutro,

< 0 inercialmente estável.

A conservação do momentum absoluto da parcela (M = fo x + v) pode ser demonstrada através da equação lagrangiana do momentum em x, devido ao caráter bidimensional do escoamento ( ), onde os processos dissipativos e turbulentos são desprezados:

.

Na Fig. 1, ao longo do eixo x, a parcela está sujeita a uma aceleração dada por: du'/dt = fo (M -Mg ) = fo M', onde u' é a componente paralela ao eixo x, resultante da diferença entre o estado perturbado e o básico. Para a parcela que se desloca na direção de x crescente, na atmosfera inercialmente estável no HS (fo < 0) têm-se M > Mg e du'/dt < 0 . Quando a parcela se desloca no sentido de x decrescente, M < Mg e du'/dt > 0. No caso da atmosfera com instabilidade inercial, acontece exatamente o contrário.

A análise anterior refere-se aos movimentos devidos às forças resultantes ao longo de um eixo horizontal. Uma análise em relação ao eixo vertical implica nos seguintes critérios. O critério para uma atmosfera condicionalmente instável é - < 0. No caso estável, - > 0, e neutra - = 0, onde ea representa a temperatura potencial equivalente do ambiente. A aceleração vertical de uma parcela que conserva a temperatura potencial equivalente, e , durante seu deslocamento (processos saturados) é dada por: dw'/dt = g (e - ea)/ea = g e'/ ea. Se e < ea , então, dw'/dt < 0 e a parcela retorna ao seu ponto de equilíbrio (equilíbrio estável), e para e > ea , dw'/dt > 0 (equilíbrio instável).

A Fig. 1 mostra as forças que atuam na parcela para deslocamentos ascendentes inclinados. Uma parcela deslocada a partir do ponto 0 continuará a se afastar deste ponto de equilíbrio instável, como mostra a aceleração resultante em A. O ponto 1 é um ponto de equilíbrio estável e a parcela deslocada até B retornará ao ponto de origem 1. Entre os pontos 0 e 1, observa-se Instabilidade Simétrica Condicional (ISC). De fato, o critério de ISC é satisfeito em todas as regiões onde as superfícies Mg formam um ângulo maior com eixo horizontal do que as superfícies ea. É importante ressaltar que deslocamentos verticais da parcela a partir dos pontos 0 e 1, nesta atmosfera condicionalmente estável, indicam que ambos são pontos de equilíbrio estável. Apenas o deslocamento inclinado da parcela, a partir do ponto 0, resulta em situação de instabilidade.

O critério anterior de ISC, ou seja, superfícies Mg apresentando um ângulo maior em relação ao eixo x do que as superfícies ea , é apresentado por Bennetts e Hoskins (1979) da seguinte forma:

qe < 0, onde , e pode ser definido como a vorticidade potencial de Ertel para o ar saturado multiplicada pelo parâmetro de Coriolis, sendo que é o vetor vorticidade absoluta. No plano x-z, as componentes de são:

,

e a relação do vento térmico passa a ser , onde o parâmetro é aproximadamente 0,5 perto da superfície e 1 nas proximidades da tropopausa. A equação anterior se reduz à:

sendo = g ( lne / z), onde Ne é a freqüência de Brunt-Väisällä para o ar saturado; e representa o número de Richardson equivalente.

Na atmosfera inercial e condicionalmente estável, visto que f > 0 (estabilidade inercial) e Ne2 > 0 (estabilidade condicional convectiva), qe é negativo apenas quando

A expressão anterior é análoga àquela referente a inclinação das superfícies Mg em relação às ea . Substituindo ea por a para um caso seco ou de Instabilidade Simétrica Seca (ISS), chega-se a uma relação similar usando Ri no lugar de Rie , da seguinte forma:

A partir da relação do vento térmico, obtém-se

onde N2/( vg / z)2 = Ri; logo o critério de ISS torna-se

Longe das correntes de jato, =f, o que reduz o critério de ISS para Ri < 1 .

atmosfera saturada a instabilidade segue o critério de ISC. O critério para uma atmosfera saturada ou próxima da saturação é menos restritivo do que no caso seco ou de ISS.

A presença de instabilidade simétrica foi detectada durante a integração do modelo global do ECMWF[1 em T106L31 (Chou, 1994). A freqüência de ocorrência foi comparável à da convecção de nível médio. A forma úmida da instabilidade ocorre preferencialmente nas latitudes médias, enquanto que a forma seca, nas baixas latitudes. ]

3. A Aplicação Dos Critérios de Instabilidade SImétrica Condicional a uma Situação Observada

Parsons e Hobbs (1983) sugerem que as bandas amplas de precipitação no setor quente (entre a frente fria e a quente) paralelas à frente fria e as bandas amplas frontais frias estejam associadas à ISC.

Um caso de ISC foi observado em 21 de julho de 1996, utilizando-se dados das análises do NCEP [2 das 12 UTC. Uma seção vertical meridional de superfícies] Mg e ea, com regiões de movimento ascendente, qe < 0 e condicionalmente estáveis ou neutras, é mostrada na Fig. 2 a e b. A seção foi construída perpendicularmente às linhas de espessura da camada 850/300 hPa, com o eixo horizontal apontando para o lado mais quente ou de maiores valores de espessura (Fig. 3).

A seção vertical (Fig. 2 a,b) está localizada ao longo de 41.25 W. Na Fig. 2a observa-se movimento ascendente acima de 600 hPa dentro de uma região onde o critério de ISC é satisfeito, como indicado na Fig. 2 b pela região amarela com valores de qe < 0 .

A configuração dos núcleos de movimento ascendente exibem uma ligeira inclinação e localizam-se aproximadamente sobre a área de nebulosidade com estrutura de banda ao norte do Estado Rio de Janeiro, já no setor quente ou pré-frontal, de acordo com a foto do satélite MET-5 (Fig. 4 a), no canal infravermelho. Na Fig. 4 b, observa-se o campo estimado de precipitação a partir das imagens do satélite GOES-8 (canal infravermelho) de 21 de julho de 1996 de 09 e 15 UTC (precipitação resultante da soma das estimativas das imagens de 09 e 15 UTC). Para estimativa foi empregada a "Convective Stratiform Technique" (CST). Em especial, a CST consegue separar a precipitação convectiva da estratiforme (Härter e Scofield, 1996). A precipitação estimada entre 23 e 22deg.S (região onde o critério de ISC é satisfeito entre 625 e 325 hPa) está em torno de 20 mm e apresenta uma estrutura paralela às linhas de espessura (Fig. 3).

A região de movimento ascendente em baixos níveis assemelha-se à ascensão presente na rampa frontal e está relacionada à instabilidade condicional convectiva. Igualmente, observa-se, no setor frio da região frontal, a presença de instabilidade convectiva misturada às áreas neutras e de ISC, com o núcleo de movimento ascendente bastante inclinado, ao contrário do movimento ascendente presente nos níveis superiores (setor quente), onde há fraca ou nenhuma instabilidade condicional convectiva associada.

O presente caso tem por objetivo ilustrar uma situação onde é observado movimento ascendente relativamente forte, em regiões da atmosfera com fraca ou mesmo sem instabilidade convectiva e, provavelmente, associado à ISC.

Nunes e Innocentini (1990) estudaram casos de precipitação em forma de banda sobre o Estado de São Paulo, e procuraram estabelecer uma possível relação entre o aparecimento das bandas de precipitação e a presença de IS. Alguns casos de banda forte (duração da estrutura de banda > 3 h), banda fraca ( < 3h) e situações sem banda ou até mesmo sem precipitação foram comparadas para deslocamentos ascendentes da parcela de dois tipos: puramente vertical e inclinado. Os perfis de temperatura potencial virtual, no caso do deslocamento ascendente inclinado, indicaram maior quantidade de energia disponível apenas nos casos de banda, o que não foi tão bem representado para os deslocamentos ascendentes verticais.

Agradecimentos: - A autora agradece à Dra. Chou Sin Chan e ao Dr. Valdir Innocentini por seus valiosos comentários.

Referências Bibliográficas

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Bennetts, D.A.; Sharp, J.C. The relevance of conditional symmetric instability to the prediction of mesoscale frontal rainbands. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, 108,(457):595-602, July 1982.

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Chou, S.C. Presença de instabilidade simétrica em um modelo de grande escala. VII Congresso Brasileiro de Meteorologia, Belo Horizonte, MG, 1994.

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Härter, F.P.; Scofield, G.B. Descrição das técnicas GPI, NWAT e CST. Curso de Estimativa de Precipitação por Satélite, CPTEC, Cachoeira Paulista, 1996. pp.8

Innocentini, V.; Caetano Neto, E.S. A numerical study of the role of humidity in the updraft driven by moist slantwise convection. Journal of the Atmospheric Sciences, 49(13):1092-1106, July 1992.

Nunes, A.M.B.; Innocentini, V. O papel da instabilidade simétrica condicional no dessenvolvimento das bandas de precipitação. VI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Salvador, BA, 1990.

Parsons, D.B.; Hobbs, P.V. The mesoscale and microscale structure and organization of clouds and precipitation in midlatitude cyclones. XI: Comparisons between observational and theoretical aspects of rainbands. Journal of the Atmospheric Sciences, 40(10):2377-2397, Oct. 1983.