SISTEMAS DO TIPO NUVEM VÍRGULA



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SISTEMAS DO TIPO NUVEM VÍRGULA


Claudine Dereczynski e Ricardo Hallak

Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)

Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE)


1. Definição

O sistema do tipo nuvem vírgula (invertida no hemisfério sul) ou simplesmente nuvem vírgula é um distúrbio de escala subsinótica que se forma em baixos ou médios níveis dentro da massa de ar frio, na retaguarda de um sistema frontal ou zona baroclínica. Esses sistemas, típicos de inverno, podem provocar chuvas intensas mesmo quando se formam sobre o continente. Carlson (1980) ressalta que o formato de uma vírgula na fase madura não deve ser confundido com outros distúrbios de mesmo padrão, como por exemplo os ciclones extratropicais. Uma nuvem vírgula formada no litoral da Região Sudeste do Brasil é mostrada na fig. 1 .

2. Características gerais

A escala horizontal das nuvens vírgula varia entre 500 e 1500 km e estas deslocam-se para leste com velocidade de aproximadamente 8 m/s. Tais distúrbios se formam em níveis médios ou baixos, causando redução da pressão à superfície, onde verifica-se um cavado ou até mesmo uma baixa pressão bem definida. À superfície, o centro da baixa pressão, se existir, é localizado abaixo da cabeça da vírgula; um cavado à superfície se estende invariavelmente sob a extremidade de sua cauda (Reed 1979). Apesar de serem distúrbios de níveis inferiores estão em geral associados com um máximo de vorticidade ciclônica nos altos níveis, sendo por isso denominado também por alguns cientistas norte-americanos de "upper level vorticity maxima". O ciclo de vida de uma nuvem vírgula, desde sua fase nascente até a dissipação é de aproximadamente dois dias.

A Fig. 2 é uma representação esquemática da nuvem vírgula invertida (Businger e Reed 1989), adapatada para o hemisfério sul. Neste esquema observa-se em superfície um sistema frontal principal e um cavado próximo à cauda da vírgula. Um máximo de vorticidade ciclônica nos altos níveis fica situado na região de saída do jato à direita (HS).

Com relação à estrutura do distúrbio, Reed (1979) ressalta que pode ocorrer advecção quente à frente e advecção fria atrás da nuvem vírgula. Diversos estudos revelam que a instabilidade baroclínica é sem dúvida de grande importância no início e na manutenção do distúrbio. A liberação de calor latente é um fator significativo no desenvolvimento desses sistemas. Ao mesmo tempo a transferência de calor latente do oceano também é importante no desenvolvimento por diminuir a estabilidade do ambiente, permitindo assim que os mecanismos citados anteriormente possam operar mais efetivamente. Além disso, o fluxo de umidade da superfície do oceano atua no sentido de aumentar a flutuabilidade da camada limite atmosférica e fornecer calor latente que é liberado durante as chuvas convectivas (Reed and Blier 1986).

3. Interações entre a nuvem vírgula e a frente polar

Em situações onde pequenos vórtices na corrente de ar polar se aproximam suficientemente da banda frontal principal, estes podem excitar ondas no sistema frontal (Anderson et al. 1969). Este processo de interação entre a nuvem vírgula e a banda frontal é denominado de oclusão instantânea porque o distúrbio parece evoluir do estágio de onda aberta para o estágio maduro, sem passar pelos estágios intermediários (Mullen 1983).

4. Estudos no Brasil

Bonatti e Rao (1987) observaram o desenvolvimento de uma nuvem vírgula invertida originada entre o norte da Argentina e Uruguai em abril de 1976, responsável por um total pluviométrico de 65 mm sobre Porto Alegre. Eles utilizaram um modelo quase-geostrófico em diferenças finitas com resolução vertical de 20 camadas para reproduzir as principais características do distúrbio e concluíram que a liberação de calor latente foi o mecanismo responsável por sua geração.

Dall' Antonia (1991) estudou a formação de uma nuvem vírgula invertida sobre o Paraguai e nordeste da Argentina em agosto de 1989, concluindo que sua formação e desenvolvimento foi provocada pela interação entre uma esteira transportadora quente, paralela à frente fria e uma esteira transportadora fria paralela à frente quente.

Dereczynski (1995) elaborou um modelo conceitual em três estágios para estudar o desenvolvido de uma nuvem vírgula invertida originada nas proximidades do Paraguai em junho de 1989. No estágio nascente existiram forte advecção de ar frio atrás e advecção de ar quente à frente da frente fria, o que a análise isentrópica revelou serem respectivamente esteiras transportadoras fria e quente. No estágio maduro a esteira transportadora fria apresentou giro ciclônico sobre o Paraná, onde formou-se o vórtice ciclônico entre 850 e 700 hPa. Ainda nesta fase houve forte convergência de umidade nos baixos níveis na região do distúrbio; advecção quente nos baixos níveis; máximo de vorticidade ciclônica nos altos níveis e advecção de vorticidade absoluta em 700 hPa menor do que em 1000 hPa, o que contribuiu para o movimento ascendente. A fase de dissipação foi caracterizada por deslocamento das duas esteiras e do vórtice ciclônico para leste, sobre o Atlântico.

Hallak e Silva Dias (1994) compararam os dois casos citados anteriormente (junho e agosto de 1989) e apesar de encontrarem importantes diferenças entre eles descobriram que em ambos o centro do vórtice ciclônico em 700 hPa estava localizado sobre a metade norte do eixo do cavado em 500 hPa, aspecto também ressaltado por Browning (1986).

Referências Bibliográficas

Anderson, R. K., J. P. Ashman, F. Bittner, G. R. Farr, E. W. Ferguson, V. J. Oliver and A. H. Smith, 1969: Application of meteorological satellite data in analysis and forecasting. ESSA Tech. Rep. NESC 51 [Available from Govt. Printing Office, Washington, DC 20402.]

Bonatti J. P. and V. B. Rao, 1987: Moist baroclinic instability of North Pacific and South American intermediate-scale disturbances. J. Atmos. Sci., 44, 2657-2667.

Browning, K. A., 1986: Conceptual models of precipitation systems. Weather and Forecasting, 4, 133-156.

Businger, S. and R. J. Reed, 1989: Cyclogenesis in cold air masses. Weather and Forecasting, 1(1), 23-41.

Carlson, T., 1980: Airflow through midlatitude cyclones and the comma cloud pattern. Mon. Wea. Rev., 108, 1498-1509.

Dall' Antonia Jr., A. M., 1991: Vórtice de ar frio na América do Sul - Análise diagnóstica. Dissertação de Mestrado. IAG/USP, São Paulo, 116 pp.

Dereczynski, C. P., 1995: Estudo de caso de uma nuvem vírgula invertida e a subsequente ocorrência de ventos fortes na Bacia de Campos. Dissertação de Mestrado. IAG/USP, São Paulo 77 pp.

Hallak, R. e M. A. F. Silva Dias, 1994: Análise de casos de formação de vórtices de ar frio. In: Anais do VIII Congresso Brasileiro de Meteorologia, V. 2, Belo Horizonte, 18-25 out., SBMET, pp. 613-616.

Mullen, S. L., 1983: Cyclone development in polar air stream over the wintertime continent. Monthly Weather Review, 110, 1664-1676.

Reed, R. J., 1979: Cyclogenesis in polar air streams. Mon. Wea. Rev., 107, 38-107.

Reed, R. J. and W. Blier, 1986: A case study of comma cloud development in the Eastern Pacific. Mon. Wea. Rev., 114, 1681-1695.